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Brasil

O Fies encolheu para os pobres, aponta reportagem da Época

A MP 785 tenta corrigir situações de estudantes que não conseguem prosseguir na universidade por conta de endividamento, mas o foco principal é dar sustentabilidade financeira ao programa

Da Redação do Diamante Online

22/07/2017 às 12:54 | Atualizado em 17/03/2024 às 11:21

Há duas semanas, o governo federal baixou a Medida Provisória 785, que muda as regras pelas quais os estudantes universitários poderão pleitear financiamento do Fies, que hoje beneficia mais de 117 mil estudantes universitários.


A MP 785 tenta corrigir situações de estudantes que não conseguem prosseguir na universidade por conta de endividamento, mas o foco principal é dar sustentabilidade financeira ao programa.

Um diagnóstico do programa feito em junho deste ano pelo Ministério da Fazenda calculou em R$ 3,1 bilhões o rombo nas contas do Fies por causa da distribuição indiscriminada de bolsas promovidas até 2015 pelo governo Dilma Rousseff.

Para tentar cobrir esse buraco e evitar o aumento da inadimplência, que está na casa dos 46%, a MP propõe as seguintes mudanças. Ela divide o Fies em três modalidades.

O governo passa a ser diretamente responsável pelo subsídio apenas dos estudantes com renda familiar de até três salários mínimos. A quantidade de beneficiários nessa faixa será limitada a 100 mil estudantes por ano. Antes, o número de vagas para os estudantes de baixíssima renda chegava a 300 mil por ano.

A maior inovação da MP se dará nas duas modalidades desenhadas para estudantes com renda de até cinco salários mínimos. Pela primeira vez, o governo transferirá para instituições financeiras a concessão do crédito e a análise de risco. Nessas duas modalidades, serão 210 mil vagas. Ao todo, haverá 310 mil vagas do Fies em todo o país a partir de 2018. Oficialmente, todos os estudantes, mais ricos ou mais pobres, terão chance de disputar todas as vagas. Na prática, não é segredo que levarão vantagem os primeiros que têm notas mais altas e perfil socioeconômico mais alinhado com o tipo de cliente a quem um banco normalmente concede crédito.

“É comum famílias com renda total de até três salários mínimos terem dificuldade para comprovar seus ganhos por conta da informalidade”, diz Sólon Caldas, diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior. O próprio governo admite que os estudantes mais vulneráveis não conseguirão passar pelo crivo dos bancos para obter crédito. “Sabemos que alguns alunos mais pobres ficarão de fora, mas tínhamos de garantir a sustentabilidade do programa”, diz Pedro Pedrosa, diretor de gestão de fundos e benefícios do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) do Ministério da Educação.

As duas modalidades do programa de financiamento desenhadas para estudantes com até cinco salários mínimos de renda total são as que ainda carecem de definições sobre taxas de juros e tempo de carência para devolução do empréstimo. Tudo isso ainda terá de ser negociado com os bancos. De acordo com o governo, os bancos terão acesso a fundos constitucionais das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste para oferecer crédito para estudantes dessas regiões. No caso do Sul e do Sudeste, o governo diz que o recurso virá do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Encontrar um jeito de dividir o risco da alta inadimplência do Fies com instituições faz todo o sentido para as contas públicas. Resta saber o que o governo terá de dar em troca para que os bancos aceitem abraçar esse ônus. Salvo bancos públicos, nenhuma instituição financeira jamais concedeu crédito por filantropia, muito menos aos milhares. Por isso, é natural que a análise de crédito dos bancos privados seja mais rigorosa que a do governo na concessão do financiamento, mesmo para aqueles de maior renda. Os analistas acreditam que o número de vagas oferecidas e não preenchidas pelo Fies será alto, como ocorre hoje desde que o Ministério da Educação, ainda no governo de Dilma, mudou as regras do programa para tornar mais rigorosa a concessão das bolsas. “Nossa expectativa é que muitas vagas, mesmo entre os de renda maior, não sejam preenchidas por conta da análise de crédito”, diz William Klein, presidente da consultoria educacional Hoper. O número de vagas remanescentes entre o segundo semestre de 2015 e o primeiro semestre de 2017 chegou a 155 mil, quase um terço do total de vagas ofertadas nesse período.

A inadimplência na concessão de crédito estudantil é um problema que muitos países enfrentam. Nos Estados Unidos, é uma bolha maior do que a dívida do cartão de crédito. Análises internacionais mostram que uma das razões para o alto número de devedores é o fato de os alunos terem de começar a pagar pelo financiamento antes de terem colhido o benefício do investimento em educação em suas rendas. “O jovem tem de começar a pagar quando ainda se debate com os mesmos problemas financeiros que o levaram a procurar um financiamento para ascender na carreira”, diz Paulo Meyer Nascimento, economista e analista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Nascimento é um defensor do sistema de amortizações contingentes à renda. Nesse sistema, o aluno passa a pagar pelo financiamento quando atinge um determinado patamar de renda, aferido pela Receita Federal na cobrança do Imposto de Renda. Pela MP 785, o governo propõe um meio-termo para que situações de endividamento como a de Bruna não se repitam. O estudante pagará pelo financiamento um valor equivalente a 10% de sua renda pelo prazo máximo de 15 anos. O dinheiro será descontado pelo próprio empregador por meio do sistema eSocial. Mesmo com esse alívio, o mecanismo embute riscos de calote. Analistas avaliam que esse modelo poderá incentivar a informalidade dos estudantes na tentativa de postergar o início do pagamento. Nascimento, do Ipea, diz que o calote poderá ser evitado se o governo estender o prazo de carência.

Em duas semanas de tramitação no Congresso Nacional, foram apresentadas 278 propostas de emendas à MP 785. Ainda é cedo para dizer se o que sairá do Congresso será um Frankenstein. Mas já há alguns consensos em relação a alguns méritos da proposta do governo e a alguns ajustes que precisam ser feitos. O principal acerto da medida é a decisão do governo de dividir com as faculdades privadas e as instituições financeiras uma parcela maior do risco de inadimplência. As faculdades com maior número de alunos inadimplentes terão de contribuir com mais dinheiro para o fundo garantidor do Fies. Pelo modelo atual, as faculdades arcam com apenas 6,5% do débito dos estudantes. No novo modelo, poderão responder por até 23%.

O principal aspecto negativo da MP é a diminuição de vagas para os estudantes mais pobres, como Bruna, cheios de vontade de estudar e pouco dinheiro. A esperança é que governo e Congresso estudem com cuidado as emendas propostas e os riscos de cada uma delas para a vida dos estudantes e para o país. Ajustes finos em concessão de crédito podem representar milhões de reais a menos de déficit e infindáveis oportunidades a mais para a população.

Época

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