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Policial

Berços na prisão e grávidas à espera de justiça

Imagine ter um bebê longe de todos. Sem ninguém para ajudar a cuidar.

Da Redação do Diamante Online

06/04/2016 às 20:12 | Atualizado em 17/03/2024 às 11:21

Imagine ter um bebê longe de todos. Sem ninguém para ajudar a cuidar. Pois esse deve ser o destino de Joana (nome fictício). No presídio há nove meses, ela conta chorando que viu seu mundo cair quando descobriu que, além de presa, estava grávida. A história de Joana se confunde com a de outras 18 gestantes e 5 mães com crianças de colo presas na Paraíba. E, a menos que essa mulheres consigam fazer com que a Lei 13.257/16 - para a prisão domiciliar - funcione nos seus casos, é atrás das grades que elas verão seus filhos nascer e crescer.

Conhecida como Estatuto da Primeira Infância, a lei, que entrou em vigor em março, prevê que gestantes e mães com filhos de até 12 anos, requeiram a prisão domiciliar. Porém, o fato de todas terem direito ao pedido, não assegura que todas vão se beneficiar. A decisão final é do juiz, que vai avaliar a periculosidade da mulher, se há risco à ordem pública e outros aspectos, como ser ré primária e ter residência fixa. Na Paraíba oito detentas cumprem prisão domiciliar por motivo de doenças ou gravidez de risco, segundo a Gerência de Ressocialização da Secretaria de Administração Penitenciária, mas nenhuma tem tornozeleira.

O gerente do Sistema Penitenciário, major Sérgio Fonseca informou que a maioria dos juízes opta pela prisão no presídio, onde há fiscalização 24 horas. “Todas têm direito a pedir, mas, cabe ao juiz conceder, tanto para grávidas, com filhos e com doença grave. É o caso de uma soropositiva que cumpre pena em casa porque o estado dela é muito grave. A Seap fiscaliza em visitas esporádicas", explicou.

Joana é uma das que pode entrar na regra, mas que ainda vive a dor da espera. "Respondo por tráfico, não nego. Nunca vendi, só ajudava a cortar e embalar. Nem sei quanto tempo ainda vou passar aqui, não fui julgada. Tive uma audiência em janeiro, foi a única vez que vi o defensor. Estou confusa, pedi a prisão domiciliar, mas, não sei se ele fez", conta.

Além do bebê que vai nascer, Joana tem mais quatro filhos à sua espera em casa. " A dificuldade maior é não ter visita. Tenho mais quatro meninos entre dois e 11 anos. Minha mãe cuida dos meus filhos e quase não vem. Ela já é de idade, não quero que ela passe pela humilhação da revista. Quero retomar a vida, ser mãe coruja. Não sei o que passa na cabeça dos meus filhos, sinto muita falta deles...”. O choro interrompe a fala de Joana.

Testemunha de como é funcionamento dentro da prisão, ela teme pelo bebê que está chegando. “Cadeia não é um bom lugar para nascer. Tem atendimento, mas não é na hora que precisa. Se um bebê adoece tem que esperar para ser levado ao hospital. Se não tem viatura, demora dias. Não tem equipe médica aqui”. E mais uma vez, as palavras dão lugar às lágrimas de Joana.

Juiz define o que é permitido

A juíza auxiliar Lua Yamaoka explicou que cada juiz determina o que pode ou não pode na prisão domiciliar. “Como o próprio nome diz, prisão domiciliar corresponde à restrição da liberdade no local do domicílio, devidamente comprovado. Cada magistrado, deve especificar detalhadamente o que é permitido ou não fazer. Depende de cada caso. Em regra, é proibida qualquer saída, seja para supermercado ou qualquer outra atividade diária. Em alguns casos, pode-se permitir saída para trabalho devidamente comprovado no processo. Se ficar doente, tem que pedir autorização para comparecer à consulta médica e somente em caso de extrema gravidade, com risco de morte, será admitida a saída de urgência, mediante comprovação posterior de atestado médico”, justificou.

Lua não quis comentar se a prisão domiciliar pode parecer uma forma de impunidade, mas, acredita que com a nova lei, o número de pedidos aumentará, o que não significa que serão acatados. A fiscalização cabe à Gerência Executiva do Sistema Penitenciário, que determina como ela é feita.

“Todos podem requerer, seja através de advogado, Defensor, ou o próprio preso quando apresentado ao juiz, com o registro que o pedido deve estar embasado com prova documental, como atestado médico, prontuários, certidões de nascimento, comprovante de endereço, trabalho definido, dentre outros”, Lua Yamaoka, juíza auxiliar da 1ª Circunscrição.

Penitenciárias femininas na Paraíba:

 João Pessoa

Campina Grande

Patos

Cajazeiras

Situação das mulheres:

Regime fechado: 514

Regime aberto: 24

Regime semi-aberto: 83

Com advogado é mais fácil

Gravidez de risco leva presa para casa

A empresária de confecções, Bárbara de Andrade Falcão, foi presa no início do mês por tráfico internacional de drogas. Mas está em prisão domiciliar. O advogado alegou que sua gravidez é de risco. O major Sérgio acredita que mesmo as que não têm dinheiro para pagar a defesa, podem conseguir o benefício. “Vai valer para todas. Elas têm defensor público e essa é a função dele”, disse.

Mas, nem todas têm a mesma sorte. Na Penitenciária de Recuperação Feminina Maria Júlia Maranhão, em João Pessoa, 11 gestantes e 5 crianças com menos de seis meses dividem o mesmo espaço com as mães, na cela especial. O berçário está sendo ampliado. A diretora da unidade, Cíntia Almeida, não informou a capacidade atual, somente que todas estão acomodadas.

A nova lei altera o artigo 318, do Código de Processo Penal e os homens também podem ser beneficiados, se for o único responsável pelo cuidado dos filhos. Cíntia Almeida informou que é de interesse que as grávidas estejam fora e o defensor público vai semanalmente atender as mulheres. As gestantes tem prioridade. Mas, não é isso que dizem as detentas. Algumas relatam que só veem o defensor durante as audiências, outras que sequer tiveram contato com ele. Todas manifestam o desejo da prisão domiciliar, porém, não acreditam que consigam.

Defensor vai se quiser

Rizalva Amorim, corregedora geral da Defensoria Pública do Estado, informou que somente as presas já condenadas são atendidas pelos três defensores do presídio Júlia Maranhão. As provisórias são atendidas por defensores da própria vara em que o processo corre e que estes não tem obrigação de ir até à penitenciária.

“Só se houver necessidade, ele vai até lá, para arrolar testemunhas. O que não impede que a presa converse com o defensor do presídio, mas, ele não pode fazer nenhum encaminhamento para ela. São os familiares que procuram o defensor na vara e informam o desejo da presa de falar com o defensor. São muitos processos, a demanda é muito grande e a justiça muito demorada. Já fui defensora, elas dizem que não são atendidas, mas, a certidão carcerária mostra que são”, afirmou.

Vai nascer na cadeia

Ana (nome fictício para preservar a identidade) está presa há cinco meses. Ela é umas das 335 presas provisórias na Paraíba. Chegou com dois meses de gestação, do 5º filho. Os outros quatro estão sob os cuidados da avó paterna, porque o companheiro, também está preso, em Jacarapé, acusado de vários homicídios. A prisão domiciliar para ela é um sonho, já que nem réu primária ela é.

“Em 2009 fui presa por tráfico. Eu era mula e viajava para outros estados do Nordeste. Por dois anos ganhei dinheiro, tinha ambição, queria comprar uma casa. O lugar era propício ao crime, morava em Mandacaru. Passei quatro anos na cadeia. Não queria voltar para lá, comecei a trabalhar como manicure e esteticista, de carteira assinada. Três anos depois que estava na rua conheci meu atual marido, que tem 19 anos. Quando foi preso, grampearam uma conversa nossa sobre um homicídio. A polícia achou que tenho ligação, vim parar de novo atrás das grades. Da primeira vez tive culpa, desta não”, narrou a mulher de 29 anos.

Ela já tem conhecimento da existência da nova lei, mas não tem informação sobre como está o seu caso. “Ficamos sabendo da lei pelas próprias agentes. O defensor disse que pediria, mas depende do juiz. Não sei se ele pediu. É tudo muito lento, são muitos processos para poucas pessoas. Ficamos mais sensíveis nesse período e a solidão é cruel. Não recebo a visita dos meus filhos, não quero que eles me vejam aqui. A de 12 anos está revoltada, achando que troquei ela por essa vida. Vejo as privações dos outros bebês. Não quero passar por isso. Criança tem cansaço, problemas respiratórios. Não tem geladeira para guardar soro, nem nebulizador. Não tem outra alimentação, só leite. Suco só no dia que chega fruta, porque estraga. Sem contar o calor”, descreveu Ana.

A luz na prisão

A primeira fotografia da pequena Ester (nome fictício) foi tirada aos dois meses no colo da mãe na prisão, local em que ela chegou na barriga de cinco meses de Maria (nome fictício). Apesar da Seap informar que há assistência à saúde dentro das unidades, quem vive lá tem algumas queixas. “Não dá para se acostumar com essa vida. Tudo é difícil. O atendimento, se uma grávida passa mal, o remédio é garapa. Não tem conforto. Meu pré-natal foram três visitas ao médico. Tem duas vacinas que ela ainda não tomou porque não tem viatura. Como vou conseguir prisão domiciliar? Não tenho advogado, nunca vi um defensor”, narrou Maria.

Maria já viu muitas crianças nascerem no Júlia Maranhão e sabe que vai passar pela mesma dor da separação. Enquanto os familiares das outras mães trazem os suprimentos dos bebês, ela vive da doação das companheiras de cela, para mingau, fraldas e roupas. “Nunca tive contato com meus filhos aqui e isso dói muito. E sei que essa é por pouco tempo também. O que me preocupa é que não tem quem cuide dela lá fora. Dá uma angústia porque também não tenho contato com o pai, ele deve saber que a filha nasceu pelo tempo que passou, mas, nem sabe como ela está”, disse preocupada.

Na cadeia, todas alegam inocência. Maria é réu primária e diz que essa foi a primeira e última prisão. “Meu marido vendia maconha, eu usei, mas, já tinha parado. Nunca vendi. Ele fazia tudo em uma casa separada, nunca ajudei. Ele já estava preso há um ano em Sapé quando a polícia bateu em uma casa vizinha com drogas. Todos eram menores e colocaram a culpa em mim. Eu não tinha envolvimento. Eu não trabalhava, vivia da ajuda do meu pai e da minha irmã. Três dos meus filhos estão com minha cunhada. A de um ano e oito meses está aos cuidados dessa irmã, que tem deficiência mental. Não posso fazer nada, ela é a única que pode ficar com ela”, revelou.

Ressocialização

A gerente executiva de ressocialização da Seap, Ziza Maia, informou que é realizado um trabalho de ressocialização com as famílias das mães. “Elas são acompanhadas por um assistente social e psicólogo para orientar e verificar as condições sociais e emocionais de quem acolherá as crianças. Todas as gestantes são acompanhadas por uma Equipe de Saúde Prisional (ESP) nas quatro unidades da Paraíba. Quando há necessidade de realizar exames extramuro as gestantes são conduzidas por agentes penitenciários. Durante o parto os agentes ficam fora da sala e quando a puérpera é transferida para a enfermaria, segue custodiada”, afirmou.

Prisão domiciliar em casos de:

Idade superior a 80 anos;

Extremamente debilitado por motivo de doença grave;

Imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;

Gestante;

Mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;

Homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.

Correio da Paraíba

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