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Policial

Corrupção e medo ivadem presídios da Paraíba e adoecem os agente penitenciários

Apesar da tecnologia e das constantes operações dentro das unidades prisionais na Paraíba, a entrada de materiais ilícitos como drogas e celulares ainda é comum.

Da Redação do Diamante Online

09/05/2016 às 16:15 | Atualizado em 17/03/2024 às 11:21

Apesar da tecnologia e das constantes operações dentro das unidades prisionais na Paraíba, a entrada de materiais ilícitos como drogas e celulares ainda é comum. Arremessos por cima do muro e as próprias companheiras são a principal forma de acesso. Porém, os próprios agentes penitenciários podem estar sendo recrutados a contrabandear objetos ilícitos. O último caso ocorreu na Penitenciária Padrão de Campina Grande em março. Há mais de um mês sendo investigado, o agente foi preso em flagrante com seis celulares e drogas. E está respondendo criminal e administrativamente. No ano passado, foram dois casos.

A maioria dos agentes é honesta e eles acabam sendo vítimas do próprio trabalho. Estar diretamente em contato com os homens mais perigosos do Estado e o estresse da profissão causam transtornos emocionais e o medo de punições faz com que eles se calem diante do problema.

Entre a cruz e a espada

Guardar os homens mais perigosos do Estado, lidar com o mundo do crime, ameaças e a corrupção que perpassa os escalões do Sistema Penitenciário. Arriscar a vida todos os dias faz parte da rotina dos 1.950 agentes penitenciários na Paraíba. As condições de trabalho não satisfazem, mas, a maioria prefere permanecer em silêncio. Quem reclama do “sistema” sofre represália e é transferido de cidade. É pressão por parte dos criminosos que se enfurecem quando tem seus objetos ilícitos, o principal deles, o celular e do órgão gestor, que cobra empenho. É estar entre a cruz e a espada. Na berlinda, muitos adoecem psicologicamente: síndrome do pânico, mania de perseguição e depressão são algumas das conseqüências de quem vive sob o medo 24 horas.

“Discordar de diretrizes resulta em transferência. Em seis anos, tive 14. O sistema pune para dar exemplo, cortar o mal pela raiz. Ninguém quer falar. Ninguém quer acordar com o Diário Oficial do Estado te mandando para longe da família. Já passei por Monte Santo, Serrotão, Máxima, Roger, Sílvio Porto, PB1, Feminino de Campina Grande, Cadeia Pública e Padrão de Santa Rita. O cônjuge tem que acompanhar, mas, não foi liberada”, narrou um agente penitenciário que não quis se identificar.

As condições de trabalho não estão boas. “Falta até papel higiênico. As certidões carcerárias não são impressas por falta de papel e tonner na impressora. As diárias, R$ 25,00 que só dão para fazer um lanche não são pagas. A viatura está capengando, horrível estado de conservação. A segurança, fator primordial é tratada com descaso pelo governo, que nunca disponibilizou um curso de tiro onde se efetua disparo, só teórico. Faço curso por conta própria. Os coletes, cedidos por outras secretarias, são em número pequeno e até vencidos, não atendem mais as especificações, não tem garantia”, descreveu.

Ameaça

O agente afirmou que as ameaças dentro do sistema são constantes. “A gente tira a pena do preso todinha junto com ele: cinco, seis, 10 anos. Prende familiares que estão ingressando com drogas, tem que negar pleitos que não estão dentro da ordem. Isso causa estresse e ameaça. Recebo cinco por mês. Se a comida está ruim, por exemplo, quem lida direto é o agente e não o governador. Eles passam 15 dias sem ver um pedaço de carne, sem contar as condições de higiene. O preso em condição subumana vê no agente a pessoa do Estado para cobrar. Nós só cumprimos, não apitamos nada”, desabafou.

“O pior é o descaso do governo, sai um e entra outro e só vejo piora. Foram desativadas oito unidades, entre elas Mamanguape, Cabaceiras e Guarabira. E a população carcerária dobrou. Onde tem capacidade para 150, tem 750. O aumento do trabalho e a carga de estresse emocional faz com que a gente tenha vontade de abandonar o trabalho. Mas, não é só um emprego, é uma vocação. Quem está nessa missão árdua gosta do que faz porque se sente útil para a sociedade, só que as dificuldades são imensas”, declarou.

O agente relatou que diversos colegas fazem tratamento psicológico por conta própria. “Em crise extrema, com rebelião, efetuamos disparos debaixo de chuva de pedra. Depois sabemos que vamos encontrar detentos com espeto, faca e arma de fogo. Terminou, fecha todo mundo e vai embora. Depois de episódios assim, ninguém passa por acompanhamento A gente precisa sempre de apoio psicológico, mas, não tem. Tem que pagar particular e não podemos arcar. O salário (R$ 3.100 com as gratificações) está defasado. Não acompanhou o índice de inflação dos últimos dois anos. O reajuste foi só de 1%. O prêmio por dar a vida pela sociedade é ter redução salarial de 60%, porque se nos acidentarmos e ficarmos inválidos, perdemos as gratificações. É muita instabilidade”, ressaltou.

“O REFLEXO É QUE EM CASA, MUDAMOS O COMPORTAMENTO, O TEMPERAMENTO É MAIS RÍSPIDO. JÁ VI COMPANHEIROS QUE DESENVOLVERAM SÍNDROME DO PÂNICO, TEM MEDO DE TUDO, POTENCIALIZAM E PSICOSSOMATIZAM O MEDO, IRRADIANDO PARA VÁRIAS ESFERAS: FOBIA DE ANDAR DE CARRO, MANIA DE PERSEGUIÇÃO, MEDO DE TATUAGEM, CABEÇA RASPADA, CARACTERÍSTICAS DE FACÇÕES , MEDO DE QUALQUER COISA” – AGENTE PENITENCIÁRIO QUE NÃO QUIS SE IDENTIFICAR.

Corrupção

O agente confirmou que o índice de corrupção entre os pares é mínimo. “Trabalho com 90, se tiver dúvida é de um ou dois. Os presos estão se desesperando pela dificuldade de nos corromper. O preso e o agente são como um jogo de xadrez. Eles tentando ingressar com material e a gente tentando impedir. Durante 24h tentando se aprimorar a gente ganha um dia, eles; outro. Estamos sempre jogando. São túneis, arremessos de materiais ilícitos (em dois dias foram 18 celulares), visitantes colocando objetos em partes íntimas e a corrupção tem uma parcela. Quem é corrupto é logo identificado e afastado. Nas apreensões, o agente não tá bem na fita, mas o preso tem consciência que cada um tem seu trabalho. O problema é quando prendemos o visitante, porque é a mãe, é a mulher, é família”, contou.

Para ele, a corrupção é mais frequente em nível de diretoria. “Desvio de feiras e materiais, pagamentos de diárias a quem não efetuou trabalho, extras usados como forma de tornar refém o servidor público de segurança. Uma série de irregularidades bem mais difícil de combater porque está em escalão maior. Mas, a secretaria sempre tem conhecimento. Em Campina Grande havia um diretor que comprava carros em leilão e o pai de um detento era mecânico. Ele dava benefícios ao filho e recebia os serviços do pai. Ele foi demitido há pouco tempo, só que o caso foi bem abafado, só ficou sabido dentro da administração. A unidade servia de depósito para os veículos e ele até usava viaturas para ir aos leilões”, revelou.

Superlotação

“Hoje o Estado é o maior fomentador do crime organizado na Paraíba. Além da superlotação, eles estão todos misturados. Um que caiu no crime, mas, que poderia se recuperar, para sobreviver tem que se unir a grupos. É a escola do crime. Transferência não resolve, porque você só transfere o problema. Na linguagem deles, o PB1 é a graduação. Depois são levados para as federais, passam um ano e voltam especialistas. Um ladrão de bicicleta volta um tremendo traficante com ligações com o PCC”, concluiu.

De 2008 até agora, ano do único concurso público da Seap foram exonerados 314 Agentes, faleceram 12, dois se aposentaram e nove foram demitidos. Segundo Wagner Dorta, os motivos vão desde problemas administrativos, que os impossibilitaram de permanecer no cargo até o abandono de função (quando passam em outros concursos). Metade dos casos, no entanto, está relacionada à prisões por outros crimes não relacionados ao sistema prisional. “A sub-gerência de saúde, ligada à gerência de ressocialização realiza trabalho psicológico com os agentes e que eles recebem treinamento para lidar com o estresse do trabalho, inclusive curso de tiro”, informou.

Sindicato aponta risco

Ednaldo Correia fundador e ex-presidente do Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária e Servidores do Estado da Paraíba, apontou riscos da profissão. “Em todo o Estado, desde 2000, foram 24 agentes executados, 90% na Grande João Pessoa e três diretores de presídio. Fui diretor por 14 anos. Há falta de planejamento de segurança prisional, que viveu sem concurso para efetivos até 2009. Há 16 anos só tinha cinco presídios: Máxima, Mangabeira, Serrotão, Monte Santo e Patos. Hoje são 19 e 60 cadeias públicas. De 3.500 presos, a população passou para 10.500. A superlotação é um problema. De cada 10, oito regridem de regime, um forage e um consegue ficar no meio da sociedade porque já era ressocializado. Quem nunca teve dignidade, moradia, não há possibilidade”, disse.

Ednaldo, que é especialista em segurança, questiona o efetivo. “A Paraíba precisaria de 40 e tem 19 penitenciárias. O ideal para manter seria 3 mil agentes. Num local com 500 presos, o agente pode levar tiro ou facada a qualquer presídio, sem nenhuma proteção, só ele e Deus. Não há armas e coletes para todos. As facções conseguem fazer tudo que é determinado pelo chefe, dentro ou fora. Eles são mais organizados que o sistema sem dúvida. Não tem como acabar com a comunicação nunca, só se bloquear o sinal de celular e mesmo assim, a companheira leva a informação”, revelou.

“É comum agentes terem problemas emocionais, chorar, passar mal, dizer que iria morrer, que vão matar a família dele, que está sendo perseguido, ouvindo vozes. O Estado não morre, não fica velho. Quem morre são eles. É a 2ª profissão mais perigosa do mundo. Você nunca mais tem vida como cidadão comum. Sai e não sabe se volta, para ganhar R$ 3.200,00 bruto”, destacou Ednaldo.

O ex-agente penitenciário conta da preocupação com a população que mora próxima aos presídios. “Em João Pessoa, com 10 unidades e 50% da população carcerária, é de apavorar. O risco de alguém pular o muro e entrar na sua casa é real. Não é seguro. Se der tiro de fuzil em rebelião pode matar uma pessoa de bem a 2 km de distância. Não há como conter uma fuga em massa”, declarou Ednaldo.

 “O PRESÍDIO É A FÁBRICA DOS CRIMES ORGANIZADOS. NÃO EXISTE INVESTIMENTO NO SISTEMA PRISIONAL, QUE NÃO RESSOCIALIZA. MATAM DENTRO E QUANDO SAEM. NÃO DÁ PARA SEPARAR RÉU PRIMÁRIO DE REINCIDENTE. LADRÃO DE GALINHA FICA JUNTO COM PSICOPATA E SE PROFISSIONALIZA PARA QUANDO SAIR MATAR. RESSOCIALIZAÇÃO É PENSAMENTO DO PRESO, SE ELE QUISER” – EDNALDO CORREIA, ESPECIALISTA EM SEGURANÇA.

Ânimo para corrupção

Wagner Dorta, Secretário de Administração Penitenciária (Seap) falou sobre a punição para quem se corrompe. “A corrupção dos agentes é mínima, quando ocorre eles são presos. No ano passado foram dois casos. Este ano, um. Eles respondem a processo administrativo e a justiça determina se vão ficar presos. Um foi demitido, dois estão em andamento, mas,provavelmente também serão. Não há condições de uma pessoa com essa conduta voltar a exercer a função. Eles relatam ameaças, mas, penso que é fraqueza de formação familiar. Desonestidade vem de berço. Eles já adentram com ânimo para a corrupção. É uma atividade estressante, lidar com quem está à margem e eles cooptam pelo crime. Mas, a remuneração está na média brasileira”, justificou o secretário.

Correio da Paraíba

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