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Brasil

Prisão antes do trânsito em julgamento: a decisão do STF é um avanço ou retrocesso?

Advogados, promotores e magistrados têm esboçado opiniões divergentes sobre prisão antes do trânsito em julgado da ação

Da Redação do Diamante Online

28/02/2016 às 19:53 | Atualizado em 17/03/2024 às 11:21

No último dia 17, em um julgamento histórico, o plenário do Supremo Federal Tribunal (STF) alterou a sua jurisprudência e passou a admitir a possibilidade de uma pessoa ser presa antes do trânsito em julgado. A decisão foi por maioria de votos e causou ampla repercussão nos meios jurídicos de todo o país. Diversas entidades emitiram notas, umas a favor, outras contra. A OAB, que representa a classe dos advogados, já decidiu que vai ingressar com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para questionar a decisão.

Para o recém-empossado presidente da OAB, Claudio Lamachia, a medida do STF fere a Constituição Federal. “Quando uma condenação acontece sem derivar do respectivo trânsito em julgado, tira-se a oportunidade do cidadão de defender-se em todas as instâncias que lhe couber por meio da atuação de seu advogado”, afirma.

Em nota, a OAB disse que respeitava a decisão do STF, mas entende que “a execução provisória da pena é preocupante em razão do postulado constitucional e da natureza da decisão executada, uma vez que eventualmente reformada, produzirá danos irreparáveis na vida das pessoas que forem encarceradas injustamente”.

Por outro lado, a Associação dos Juízes Federal do Brasil (Ajufe) afirma em nota que a posição do STF de permitir a prisão do réu após a condenação em segundo grau valoriza a decisão dos magistrados de 1º e 2º graus. “A decisão marca um avanço no processo penal brasileiro, uma vez que recursos por vezes protelatórios não terão mais o condão de fomentar a impunidade criminal”, afirma o presidente da Ajufe, Antônio César Bochenek.

Na Paraíba, os operadores do direito ouvidos pelo JORNAL DA PARAÍBA também se posicionaram sobre a decisão. Como acontece no restante do país, não há consenso entre advogados, membros do Ministério Público e da própria Justiça. Para o advogado Fábio Andrade, o STF matou a presunção de inocência. “A decisão do STF, em minha opinião, é mais do que um grande equívoco, é um enorme retrocesso, uma afronta à Constituição e uma evidente violação a um dos direitos fundamentais mais caros da humanidade, a liberdade”.

O chefe do Ministério Público Federal na Paraíba, Rodolfo Silva, pensa de modo diferente e aplaude a decisão do STF. “A decisão do Supremo Tribunal Federal em devolver ao país a interpretação anteriormente vigente – desde a Constituição Federal até o ano de 2009 – foi um marco histórico contra o fim da impunidade e no uso abusivo e desproporcional do direito de defesa que se instalou desde então”. Vários magistrados foram procurados, mas evitaram comentar o assunto.

Um marco histórico contra impunidade

"A recente decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do HC 126292/SP, quando reconheceu a legitimidade da execução da pena a partir de uma decisão condenatória proferida em segunda instância, pelos Tribunais de Justiça, pelos Tribunais Regionais Federais ou mesmo pelos Tribunais Regionais Eleitorais, ainda que pendente de julgamento de eventual Recurso Especial (STJ) ou Extraordinário (STF), alterou a jurisprudência anterior firmada pelo Supremo no âmbito do HC 84.078/MG, julgado em 05/02/2009. Portanto, a decisão do Supremo Tribunal Federal em devolver ao país a interpretação anteriormente vigente – desde a Constituição Federal até o ano de 2009 – foi um marco histórico pelo fim da impunidade e no uso abusivo e desproporcional do direito de defesa que se instalou desde então. É uma vitória da sociedade que, desde sempre e mais ainda nos dias atuais, clama por uma justiça célere, efetiva e que seja aplicada indistintamente a todos os cidadãos brasileiros, independente de qualquer situação em especial".

Rodolfo Silva, procurador da República e chefe do MPF na Paraíba

Querem antecipar a pena para o réu

"O Supremo, ao reinterpretar o inciso LVII, estabeleceu uma nova regra geral no sentido de encaminhar imediatamente para a prisão aqueles que forem condenados em segunda instância. Não é demais lembrar que o LXVI do art. 5º dispõe que ninguém será levado ou mantido na prisão quando a lei possibilite a liberdade provisória. Há, portanto, no ordenamento brasileiro, três hipóteses legais de prisão: em flagrante; por sentença condenatória transitada em julgado; e a chamada processual, para garantir o avanço de investigações ou evitar o desaparecimento do acusado. A decisão do STF não se enquadra em nenhuma destas três, criando uma nova modalidade, pretendendo declaradamente antecipar o cumprimento da pena, sob o argumento de que já haveria uma forte probabilidade de culpa comprovada com o julgamento de segundo grau, e não seria razoável se aguardar o desfecho de recursos nas instâncias superiores, deslembrando-se do considerável índice (em torno de 25%) de reforma pela absolvição nesses casos e transportando para o cidadão a responsabilidade pela ineficiência do Judiciário de se desvencilhar com a eficácia necessária dos recursos a ele submetidos".

Raoni Vita, vice-presidente da OAB-PB

Um equívoco e um enorme retrocesso

"A decisão do STF, em minha opinião, é mais do que um grande equívoco, é um enorme retrocesso, uma afronta à Constituição e uma evidente violação a um dos direitos fundamentais mais caros da humanidade, a liberdade. O texto constitucional, artigo 5º, inciso LVII, afirma textualmente que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, essa norma é cláusula pétrea da nossa Constituição, quer dizer, nem o Congresso Nacional poderá suprimir esse direito constitucional, mas a decisão do STF, que deveria ser o guardião da Constituição e dos direitos fundamentais, acaba completamente com a presunção de inocência e promove um enorme retrocesso que viola não apenas a Constituição Federal, o que já seria muito grave, mas contraria também inúmeros tratados e convenções internacionais que tratam da matéria da mesma forma. A presunção de inocência é um direito fundamental da pessoa humana, reconhecido desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e a decisão do STF, tomada pelo voto da maioria dos seus ministros, retirou esse direito fundamental dos cidadãos".

Fábio Andrade, advogado

Decisão do STF não é inconstitucional

"A decisão do STF não é inconstitucional, é justa. O art. 5º, LVII da CF fala que ninguém será considerado culpado antes do término de um processo, mas em momento algum veda a possibilidade de alguém ser preso antes. Ser preso e ser culpado são duas coisas distintas. Ora, nunca a norma processual que permite a prisão preventiva para garantir a ordem pública teve questionada a sua recepção pela CF de 88. E é essa a lógica que deve ser seguida. Fundada no princípio da proporcionalidade que preconiza que toda decisão deve preservar o meio-termo entre o excesso e a insuficiência. Não há como desconsiderar que dar efeito suspensivo imediato a recursos como agravos ou embargos que discutem apenas a viabilidade ou obscuridade de texto, mas não rediscute a inocência de uma pessoa, é respaldar a ineficácia do direito de defesa da sociedade perante a delinquência. Afora não se poder interpretar de maneira literal o art. 283 do CPP que fala em prisão só com o trânsito em julgado ou no momento da investigação. Pois a interpretação extensiva, mesmo em matéria penal, é aceitável".

Jornal da Paraíba

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