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Política

Resolução do TSE poderia inviabilizar eleições em 36,8% dos municípios paraibanos

A polêmica foi tamanha que mais de 20 partidos se reuniram e discutiram entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF)

Da Redação do Diamante Online

19/02/2016 às 11:33 | Atualizado em 17/03/2024 às 11:21

A resolução 23.465, publicada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 17 de dezembro, causou polêmica e insegurança jurídica entre partidos políticos e especialistas em direito eleitoral e, segundo estudo obtido com exclusividade pelo Broadcast Político, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, poderia inviabilizar a disputa à prefeitura de praticamente um quarto dos municípios brasileiros. De acordo com o levantamento feito pelo cientista político Humberto Dantas, professor do Insper e da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), 24% das cidades teriam um ou nenhum candidato no próximo pleito caso a nova regra seja posta em prática.

O artigo 39 da resolução do TSE exige que as comissões provisórias criadas pelos partidos em Estados e municípios convoquem convenções para eleição de dirigentes locais o que, na avaliação de especialistas, acaba exigindo que os partidos criem diretórios nas localidades. Enquanto as comissões provisórias são estruturas mais simples, apontadas pela direção nacional de cada sigla, os diretórios têm maior organização, com líderes eleitos pela base.

“As anotações relativas aos órgãos provisórios têm validade de 120 dias. Em situações excepcionais e devidamente justificadas, o partido político pode requerer ao presidente do Tribunal Eleitoral competente a prorrogação do prazo de validade previsto neste artigo, pelo período necessário à realização da convenção para escolha dos novos dirigentes”, diz o trecho do artigo que causou a confusão.

O texto da resolução suscitou o debate do uso excessivo pelas legendas de comissões provisórias em substituição a diretórios municipais e estaduais. Mas o movimento da Corte foi visto pelos representantes das siglas como tentativa de intervenção na organização interna dos partidos e, no limite, um risco para as eleições deste ano.

A polêmica foi tamanha que mais de 20 partidos se reuniram e discutiram entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) pela impugnação do artigo 39. Legendas de orientações das mais variadas, do PSDB ao PT, do PMDB ao Psol, DEM e PC do B, se uniram no pleito.

Na última terça-feira, 16, advogados chegaram a se reunir com o presidente do TSE, José Antônio Dias Toffoli, que disse que a Corte revisitaria a resolução. Na quarta-feira, o ministro Henrique Neves da Silva, relator do caso, pediu à Procuradoria-Geral Eleitoral um parecer sobre a reclamação das legendas.

No limite, os partidos temem que a redação abra margem para que sejam impedidos de lançar candidatura própria em municípios onde não têm diretório municipal. “A redação está ruim. O TSE não poderia deixar uma redação que pode prejudicar tantos municípios”, disse ao Broadcast Político o advogado Alberto Luís Rollo, especialista em direito eleitoral.

Se esse receio dos partidos fosse levado a cabo, candidaturas de expressão que vêm sendo trabalhadas poderiam ser inviabilizadas. São casos como o de Celso Russomanno (PRB) em São Paulo, de Pedro Paulo (PMDB), provável candidato à sucessão de Eduardo Paes (PMDB) no Rio, e das candidaturas de reeleição de Geraldo Julio (PSB) no Recife e de ACM Neto (DEM) em Salvador.

Realidade brasileira. Levantamento do cientista político Humberto Dantas antecipado pelo Broadcast Político mostra que 24% dos municípios brasileiros não têm diretório de nenhuma ou de apenas uma legenda. “Em teoria, pode haver disputa com apenas um nome, e isso acontece em algumas cidades, mas mostra que, se o receio dos partidos estiver correto, a resolução do TSE impediria um quarto dos municípios de ter eleição”, diz Dantas.

Em alguns Estados, o impacto seria ainda mais impressionante. Em nove deles, mais de 30% dos municípios ficaria sem disputa. São eles Roraima, onde 60% das cidades contam com apenas um ou nenhum diretório, Pernambuco (44,3%), Alagoas (44,1%), Goiás (41,4%), Bahia (39,8%), Paraíba (36,8%), Pará (34%), Paraná (30,3%) e Tocantins (30%).

“Curiosamente, na outra ponta, há Estados do Norte e do Nordeste com alta densidade de diretórios que talvez poucos esperariam”, comenta Dantas. Em Sergipe, Amapá, Acre e Amazonas, todas as cidades têm pelo menos dois diretórios estabelecidos. Em São Paulo, só 17 das 645 cidades não teriam mais que um candidato.

“O TSE tocou num ponto importante da política partidária brasileira, mas quis reparar um problema de cinquenta anos em uma canetada”, avalia Dantas sobre a resolução. “Esse tipo de atitude tem que ser de longo prazo, para que os partidos consigam se organizar.”

O advogado Alberto Luís Rollo diz que tem mérito a intenção do TSE de tentar pôr limites ao uso de comissões provisórias pelos partidos, mas avalia que a Corte se movimentou de forma inadequada. “O uso exagerado das comissões provisórias se dá de forma vergonhosa no Brasil. Há de fato diversos casos em que a direção nacional aponta dirigentes como moeda de troca”, afirma. “Acontece no País inteiro e o TSE está certo de tentar moralizar a questão, mas isso teria que ser feito da maneira correta, em discussão mais ampla com os partidos e com um período de transição”.

Não aplicação. Entre advogados e ministros, que debateram o tema em diversos eventos neste início de 2016, o comentário é de que tal aplicação da lei não seria permitida porque prejudicaria a disputa democrática para a eleição de prefeitos em muitas cidades.

Ainda assim, os advogados de partidos se mobilizam por uma “questão de princípio”. “Ainda que digam que as comissões provisórias poderão lançar candidato, que não dependeria de diretório, o interesse dos partidos em recorrer do artigo 39 permanece. O TSE foi muito exagerado na redação dessa resolução”, diz Flavio Costa Pereira, advogado do PSDB à reportagem.

A avaliação das legendas é que seria um perigo abrir um precedente dessa importância com relação à interferência da Justiça sobre a autonomia partidária garantida em Constituição, especialmente quanto ao poder que o artigo 39 dá a presidentes de tribunais regionais eleitorais para decidir sobre a prorrogação das comissões provisórias. “Seria uma premissa importante de o Judiciário intervir na maneira de organização, isso não é do interesse de nenhum partido”, complementou Rafael Carneiro, representante do PSB.

Estadão

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