Brasil
Morre Arlindo Cruz, um dos maiores sambistas de todos os tempos, aos 66 anos
Cria de Madureira e apaixonado pelo Império Serrano, músico se tornou um dos maiores compositores de sua geração.
Por Redação
09/08/2025 às 07:35 | Atualizado em 09/08/2025 às 23:33
Morreu nesta sexta-feira (8), aos 66 anos, o sambista Arlindo Cruz. Ele estava afastado da cena musical desde 2017, quando sofreu um AVC. A morte foi confirmada pela família nas redes sociais do artista. Ele estava internado no hospital Barra D'Or, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, e teve falência múltipla dos órgãos. Arlindo deixa três filhos, Arlindinho e Flora Cruz, fruto do seu casamento com Babi Cruz, e Kauan Felipe, que teve com Sandra Vieira. O velório está marcado para a manhã deste sábado (9), na quadra do Império Serrano, em Madureira, subúrbio do Rio.
"Com imenso pesar, a família e a equipe de Arlindo Cruz comunicam seu falecimento. Mais do que um artista, Arlindo foi um poeta do samba, um homem de fé, generosidade e alegria, que dedicou sua vida a levar música e amor a todos que cruzaram seu caminho", diz o comunicado. Leia a seguir:
Ícone do samba
Os versos de amor ficam aqui, como ficam os hinos de Avenida, o banjo na roda, a voz doce do partideiro. Impressões de um subúrbio idílico, caminhos de Ogum e Iansã. Fica o samba-oração que, diante de “um mundo de armadilhas e pecados”, insiste no bem como abrigo e convoca: quem tem fé pra rezar diz amém. Se o samba é o que é, com seus tipos, seus tons e seus dons geniais, se o cavaco teima em chorar em cada esquina da cidade do Rio de Janeiro, do Beco do Rato a Oswaldo Cruz, é justo louvar a contribuição de um gigante da raça (e do gênero): Arlindo Domingos da Cruz Filho.
Um dos maiores sambistas de todos os tempos, conhecido pela riqueza melódica de suas composições, pelas letras carregadas de sentimento e pela malandragem de seu partido-alto, Arlindo Cruz nasceu em Piedade, bairro da Zona Norte carioca. O subúrbio viraria tema constante de suas canções. Filho de um policial amante do samba e de uma dona de casa que cantava muito bem, Arlindo respirou música desde cedo, por influência do pai, Arlindão, que promovia encontros em casa onde apareciam figuras como Candeia. O garoto se iniciou no cavaquinho aos 6 anos. Foi no disco “Roda de samba”, de Candeia, inclusive, que Arlindo começou sua carreira tocando cavaco, aos 17 anos, em 1975.
Estudou no Colégio Pedro II, na unidade do Engenho Novo, e era um ótimo aluno, muito bom em matemática. Chegou a ingressar na Aeronáutica, na Escola Preparatória de Cadetes do Ar (EPCAR). Mas logo viu que a vida de militar não era para ele.
Ainda nos anos 1970, Arlindo Cruz foi um dos fundadores da roda de samba do bloco carnavalesco Cacique de Ramos, frequentada por nomes como Jorge Aragão, Almir Guineto, Zeca Pagodinho, Marquinhos Satã, Luiz Carlos da Vila, Sombrinha e Jovelina Pérola Negra. Apadrinhado por Beth Carvalho, que gravou várias canções deste time de compositores, foi no Cacique que Arlindo se consolidou como partideiro. Também foi nessa época que introduziu o banjo como instrumento de samba.
Da turma do Cacique nasceu o Fundo de Quintal, lendário grupo de samba que teve Arlindo na sua formação a partir de 1982. Com o conjunto, ele gravou dez discos, entre eles “Nos pagodes da vida” (1983), “Seja sambista também” (1984), “Divina luz” (1985) e “O mapa da mina” (1986). No início dos anos 1990, Arlindo deixou o Fundo de Quintal para seguir carreira solo.
Hitmaker
Ao todo, Arlindo, que lembrou em música que o show tem que continuar, gravou nove álbuns em carreira solo, fora os feitos em dupla com Sombrinha. Segundo o Ecad, a obra do sambista contempla 795 músicas. Também compôs canções que ficaram famosas nas vozes de outros artistas, como “Boto meu povo na rua”, que fez sucesso com Mart’nália, e “Alto lá”, que ganhou projeção na gravação de Zeca Pagodinho, com quem assina a faixa.
Em 1986, Arlindo Cruz entrou para a Ala dos Compositores do Império Serrano, sua escola de coração. São dele os sambas-enredo da agremiação nos carnavais de 1989 (“Jorge Amado, Axé Brasil”), 1995 (“O tempo não para”) e 1996 (“E verás que um filho teu não foge à luta”), entre outros. Arlindo também compôs para outras escolas, como Vila Isabel, Grande Rio e Leão de Nova Iguaçu.
Seu último samba-enredo foi “Silas canta Serrinha”, para o Império Serrano, em 2016. No carnaval de 2023, a Verde e Branca de Madureira, bairro tão celebrado pelo compositor, o homenageou com o enredo “Lugares de Arlindo”. O músico desfilou no último carro da escola, junto com a mulher, a ex-porta bandeira Babi Cruz, com quem se casou há 35 anos.
Em 2017, Arlindo Cruz sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) enquanto tomava banho. O episódio o deixou acamado, com dificuldades motoras e cognitivas, e impossibilitado de cantar e tocar. Desde então, passou por diversas internações.
Luta contra o vício
Arlindo Cruz teve de lidar, ao longo da vida, com os percalços impostos pelo vício em cocaína. No livro “O sambista perfeito”, o biógrafo do sambista, Marcos Salles, relata que Arlindo se internou algumas vezes. E que pouco antes de ter o AVC que o tirou de cena, em 2017, ele já estava limpo.
— Era uma luta dele, tentou abandonar algumas vezes, mas não conseguia — diz Salles ao GLOBO. — Uns nove meses antes do acidente, no entanto, ele parou. A Babi conta que ele começou com a maconha no Pedro II. E a cocaína era uma prática muito comum nos anos 1980. Na música, então, era muito farto, chegava com uma facilidade incrível, tinha em todo canto.
Ao longo dos oito anos em que ficou acamado, Arlindo sempre teve por perto, além dos filhos, a companhia de Babi Cruz, que conheceu o sambista quando ela tinha 14 anos. Em entrevista recente à coluna Retratos da Vida, do Extra, Babi disse que chegou ter esperanças, em um determinado momento, na recuperação do sambista.
— Tive essa esperança na terceira cirurgia da cabeça do Arlindo (foram cinco no total). Mas o neurocirurgião que operou ele, já na segunda cirurgia, me disse: ‘Babi, vai viver sua vida, porque ele não volta mais’. Como eu sou uma mulher muito espiritualizada, acreditei por um tempo em milagre, só que depois, além do AVC, veio a hidrocefalia e fechou o diagnóstico dele — relatou Babi.
Ela também informou à coluna que, além da biografia já publicada, outras homenagens estão por vir para o sambista. Há um documentário e um filme de ficção sobre a trajetória de Arlindo previstos para 2026, além de um novo musical.
O Globo
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